Um detalhe é motivante de tudo isso: eu sou cega. Esse é um aspecto
concreto e muito improvável de ser modificado, um dia. Podem encontrar
termos grandiloquentes, imponentes, maquiados, politicamente corretos ou
incorretos, mas nada muda o fato central, o que não é obrigatoriamente
ruim.
Mas note que a questão começa e termina aí. Eu sou cega. Fim. Não há
nada de errado com minhas pernas, com meus ouvidos, e menos ainda com o
meu cérebro. Eu penso muito bem. Podem não ser sempre coisas boas e
certas, mas definitivamente eu consigo raciocinar, concatenar as idéias,
alinhar paradigmas.
Não sou santa. Posso mentir, se quiser. Posso caluniar. Posso fazer
péssimos julgamentos sem nenhuma base, então, definitivamente, não sou
santa.
Claro, tenho o compromisso de progredir sempre, de aprender com meus
erros, de fazer de mim mesma uma pessoa melhor, mais humana, mais
responsável e mais digna, mas, absolutamente, não estou sequer na metade
desse processo. Então, deixemos os extremos, as fantasias e os
preconceitos e cheguemos aos fatos. Eu sou cega. E humana. Um fato não
exlui o outro. Eles apenas se completam.
Do mesmo modo que existem humanos idiotas, humanos geniais, humanos
cadeirantes, humanos medíocres, humanos sentimentais, humanos
"umbigocÊntricos", existem humanos cegos - que podem, ou não, serem todas
essas coisas apontadas logo ali. Mas o essencial que preciso expressar,
é que a cegueira não traz, nem a incapacidade absoluta, nem a santidade
instantânea, nem a burrice extrema, nem nada disso. É simplesmente uma
característica, uma limitação que pode ou não ter um caráter realmente
limitante. A cegueira é o que o cego faz dela. Nós ainda temos escolha.
Temos harbítrio. Temos a chance de sair de nós mesmos e ir além de
falta de visão; do mesmo modo, podemos nos enterrar em nossos problemas
e lamentar o nosso nascimento, as mazelas sociais e a existência de
Deus, como qualquer pessoa normal.

Bem-vindos ao "Diário de uma cega""

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O que dói mais no preconceito é nossa falta de atitude

Cheguei a essa conclusão hoje, com um fato quotidiano e refletindo em
outros que me aconteceram.
Fui levar Mariles para vacinar. Entrei com ela na salinha e a
enfermeira logo foi dizendo: Vamos deitar ela aqui na maca... Eu disse
que não, que ela iria ser vacinada no meu colo. Ela disse que na maca
era mais fácil para a outra moça segurar. Eu disse simplesmente: sou
eu quem vou segurar.
Juro que o tom não foi agressivo nem defensivo. Foi apenas definitivo.
A vacina foi aplicada e eu praticamente esqueci do fato.
Meses depois, o Vi foi levar a Ma para fazer exame de sangue, há quando
do seu episódio de anemia ferropriva. Chegou ele lá, cego, segurando um
bebê e sem acompanhante. A enfermeira não hesitou: tirou a ma do colo
dele. E ele ficou indignado. Chegou lá em casa "nos cascos", rosnando
contra o preconceito das pessoas e o desrespeito. Só pude concordar, mas
fui incapaz de não perquirir: mas por que você deixou??? Ele embatucou.
Depois, disse que simplesmente "não conseguiu reagir na hora".
Lembrei de casos que vivi. Casos nos quais eu não consegui reagir. E
encontrei a raiva que ele estava sentindo. E achei ter percebido porque
ele ficou chateado e eu, não; e porque eu me chateava tanto antes e não
me chateava agora.
Kevo nasceu. O povo era dono de puxar ele do meu colo. Eu ficava
possessa! ME sentia aviltada como mãe e mulher e ser humano. Tinha
vontade de gritar. De xingar. Depois, passou, porque eu apenas passei a
dizer "não". Quando puxavam, eu puxava de volta: ela vai ficar aqui.
Porque eu sabia que ali era o melhor lugar para ela. Que uma pessoa que
não me respeitava, não tinha mais direito de pegá-la no colo que eu.
HHoje a Ma precisou fazer exame de sangue denovo, para continuidade do
tratamento da anemia. Eu pedi que o Vi fosse, e lhe disse: se eles
tentarem tirar ela de você, não deixe. Você é o pai. Você tem direito.
Eles só vão acreditar que tem capacidade de segurar sua filha, se você
lhes disser isso.
Aconteceu até pior. Disseram que iam colocar a Ma na maca para fazer
exame (um detalhe: no mês anterior eu fora e ela fe3z no meu colo). Ele
disse que não. A mulher insistiu. Ele voltou a reinterar. Ela chamou
outra. Ele voltou a negar. Leve tensão. Fizeram o exame com a Ma no colo
dele. E ele voltou sem raiva, mesmo o preconceito tendo vindo de duas
pessoas, não apenas de uma, como foi na primeira vez. .
Alguns diriam que é porque sua vontade foi respeitada no final. Pode
ser. Mas penso que a pedra de toque tenha sido a reação.
Quando nos tratam com preconceito e não reagimos, é como se
concordássemos com a pessoa. A raiva é dela, mas também é por nós, por
nossa c onivência; quando reagimos, dizemos a nós mesmos que aquela
visão diminuída a nosso próprio respeito não nso pertence, mas apenas à
inexperiência da pessoa que a tem. Nossa reação deixa o preconceito com
a pessoa, não conosco; faz-nos acreditar mais em nós mesmos e nos
respeitar também. Limita o acesso do outro a nossa auto-estima.
Pensamos que a reação é para o outro; qual nada! Somos nós os
principais beneficiados.

domingo, 25 de julho de 2010

Reais necessidades

Sugeriram que eu escrevesse um post sobre isso. Eu poderia escrever umas
cem linhas, mas acho que consigo em vinte:

Nós precisamos de pessoas que nos ajudem a explorar o mundo, o nosso
corpo e os nossos limites.
De pessoas que nos ajudem a assumir nosso papel perante a Vida.
De pessoas que nos mostrem quais nossas responsabilidades.
De pessoas que nos ajudem a ver nossas próprias falhas com levesa.
De pessoas que não coloquem nossos feitos em um microscópio e acreditem
que esse é o tamanho real deles.
De pessoas que estejam ao nosso lado, não debaixo de nós.
De pessoas que acreditem em nós, porque o potencial humano é plástico.
De pessoas capazes de mudar de opinião.

Nós, como todos no mundo, precisamos de pessoas com coragem de mergulhar
na vida e de transbordar, e jogar tudo uns sobre os outros, para depois
transbordar e ousar uma e outra e outra vez, infinitamente.

E por falar nas batatas fritas

Eu treinei mais duas vezes. Da última, pus gordura de menos e queimei a
panela.
Tem uma "peneirinha" que vem junto com a panela, e você pode
colocar a batata ali e encaixar a peneira na panela, na hora de fritar.
Eu juro que ainda não fiz por medo. Aquele óleo "gritando" soa tão
ameaçador!

Essa gente

Essa gente que vê com a língua
Que não tem medo do escuro
Que tateia com os lábios
Que é taxada de louca por querer fazer as coisas mais normais do mundo
Essa gente que tem medo
Que gosta de pôr a mão em tudo
Que pode prestar a maior atenção do mundo no que dizem, sem estar
voltado para o interlocutor
Que pode ser tudo
Neve e vulcão ardente
Cujos erros pesam muito mais
E os acertos mais insignificantes são supervalorizados

Essa gente que pode comer com colher
Ou às vezes prefere a mão
Que comete as gafes mais engraçadas
Que é capaz de tudo e de nada
Guarda em si o gérmen da submissão
E a capacidade de fazer a diferença.

Essa gente simplesmente humana
Cujos desafios a vencer
Estão mais dentro da cabeça que no silêncio dos olhos.

Nós e as imagens

Estêvão cedo se apaixonou pelos desenhos. Passava horas e horas riscando
e, agora, pintando.
Foi assim que ele teve suas primeiras lissões de complacência:
- Mamãe, pinta comigo?
- Eu não sei, filho.
- Mamãe, de que cor é a zebra?
- Eu não sei, meu filho.
- Mamãe, coloca a zeba pertinho do seu rosto, que aí a senhora vê.
- Mesmo assim não dá, Kevo.
- Mamãe, desenha pa mim um leitão na lama?
- Ih, filho, isso não dá.
- E uma plantação de abóboras?
- Não dá, filho.
Mas eu me redimi quando aprendi a usar o google imagens.
1 - entra em
www.google.com.br
2 - clica em imagens.
3 - digita na caixa a imagem que você precisa.
4 - abre com o windows e imprime.
Agora é difícil fazê-lo entender que, embora saiba encontrar as
imagens, eu ainda não posso pintá-las.
- Mamãe, lê esse livinho pa mim?
- Eu não enxergo, Kevo.
- Mas lê sem enxergar mesmo!
imagens, 512'

domingo, 18 de julho de 2010

nos cascos

Ela sismou de bater aqui hoje e fazer "boas ações".
Tudo, absolutamente tudo que o Estêvão me pedia, ela se adiantava e
fazia. Da primeira vez, deixei passar; da segunda e da terceira vez, fiz
cara feia. Da quarta vez, arrisquei: um, você agora também atende por
mamãe?

Tá, eu sou grossa. Horrível. Vou queimar no inferno dos orgulhosos
quando morrer. Mas a pergunta que não quer calar: ela atravessa o espaço
de toda mãe que conhece, ou é só comigo?
Então, vamos ao outro ponto: por quê?
Para ser gentil, alguns diriam. Bem, a gentileza nunca se impõe. Se é
imposta, deixa de ser gentileza. Questão conceitual.
A culpa deve ser minha. Eu sou grossa e territorialista. E cega
orgulhosa também. Mas se for tudo isso, pelo menos ela não tem um pingo
de tato. E noção. E a mensagem que ela passou com sua atitude, bem
intensionada ou não, não foi nada agradável.

E vocês, como agem nesse tipo de situação?

sábado, 17 de julho de 2010

Carta para minha cunhada cega e superprotegida

Confesso que ainda não entreguei essa carta. Talvez jamais o faça. Mas
escrevi e achei que alguém podia tirar algum proveito em ler, nem que
fosse o de pensar que jamais diria ou pensaria o que escrevi.


***

Tempos atrás eu jamais te escreveria sobre tudo isso, mas acho que,
nos últimos anos, você adquiriu o talento de se dispor a ver uma mesma
questão por mais de um ângulo.
Ontem estávamos conversando e eu fiz referência às ajudas
desastrosas que cegos recebem ao descerem do ônibus. Você disse algo como
"eu morro de dó" e o assunto mudou. De qualquer modo, não era o ambiente
para eu expor meu ponto de vista. Agora, gostaria de fazê-lo, bem como
outras questões que talvez sirvam para refletir.
Eu tive essa vida de "cegos que recebem auxílios absurdos" por cinco
anos.
Eu acordava às 5:30 da manhã, tomava banho
e café, pegava minhas coisas, bengalava até o ponto de ônibus, tomava
meu coletivo e descia no centro da cidade apinhado para ir à escola.
Assistia às 5 ou 6 aulas e repetia o caminho de volta.
Era forçoso que fosse assim. Nós não tínhamos carro, fato bastante
comum em cidades grandes e, se o ônibus estava ali, gratuito, não tinha
tanto porquê pegar táxis e coisas assim.
Nunca tive pena de mim. Na verdade, achava delicioso. É
indescritível a sensação de bengalar por uma rua, sentir o vento no
rosto, as pessoas passando por nós. A sucessão dos cheiros, a emoção da
descoberta do terreno, conquistando cada paralelepípedo do chão. Faz
muita diferença na auto-estima da gente. Dá muito mais segurança para
enfrentar os outros momentos do dia.
É maravilhoso galgar os três degraus para dentro do coletivo, ficar
em pé ou sentada ali, sentindo a presença de gente, o gosto da vida, o
barulho do tráfego. Depois, na descida, é tragicômico as pessoas
querendo te ajudar, não saberem como, mas tentando e, sobretudo, ninguém
questionando o seu direito de estar ali, entre eles.
Depois, nas "rodas de cegos", ter histórias hilárias para contar
sobre essas tentativas desajeitadíssimas das outras pessoas. Competimos
sobre a hilariedade dos nossos tombos, sobre as loucuras que nos dizem.
E enquanto nos expomos a tudo isso, estamos "amaciando" o
caminho para quem vem depois; estamos derrubando muros de preconceitos e
fazendo bem aos outros, enquanto nos fazemos bem a nós mesmos.
Eu nunca tive pena de mim, até vir morar aqui. Nunca pensei na minha
cegueira como algo limitante, porque eu fazia o que os outros faziam, só
que de uma forma diferente. Na minha mente era tudo simplista, até: uns
são gordos, outros são magros, uns são geniais, outros idiotas, uns são
músicos, outros acróbatas, outros miméticos e eu sou cega. Simples
assim.
A cegueira é uma aliada bizarra para eu aprender as coisas que
preciso. Por algum motivo, Deus acreditou que eu precisava dessa
experiÊncia para temperar meu caráter, para fortalecer meu espírito, e
isso era normal para mim.
Aqui eu tive pena, muita pena de mim. E raiva, por permitir que a
miopia dos outros cegasse meu espírito e me incapacitasse para os meus
desafios. Eu sentia a vergonha que sua família tinha de mim, quando eu
usava a bengala na frente deles. Pediam uma, duas, três, quatro vezes
que eu a guardasse, como se eu estivesse fazendo algo extremamente
indecoroso, grosseiro. E eu guardei. E praticamente nunca mais usei.
Isso sim é digno de pena. Você só poder ir se alguém for
contigo, ou se tiver, no mínimo, 12 reais para pagar por isso. Você não
poder dar uma volta no quarteirão em um dia de extremo calor, ou
simplesmente porque está entediada em casa. Você perder a coragem de se
conhecer, se descobrir, aventurar-se pelos terrenos e, sobretudo, perder
a coragem de errar.
Eu sentia muito no Vi, e sinto ainda em você, muito, muito medo de
errar. E tenho muita raiva de mim por, mesmo lutando contra isso con
todas as minhas forças, ter absorvido parte desses conceitos. Qual o
problema de você cortar as unhas dos seus filhos? Você pode machucar?
Nunca conheci um normovisual que jamais tivesse feito isso. Nunca. Vai
ficar torto no começo? E daí que fique? Acho que as lixas existem para
isso. Você tem quem faça isso para você, e é mais fácil e mais rápido?
Mas cuidar dos filhos é um ato de amor. Você não apenas dá banho, troca
uma fralda, veste uma roupa ou corta as unhas. Crianças são
hipersensíveis ao toque, especialmente às energias que enviamos enquanto
os tocamos. Cortar as unhas também é um gesto de amor, e você tem todo o
direito de querer fazer esse carinho - por que não? E daí se for
difícil? Diga ao menos *uma coisa* realmente valiosa do ponto de vista
espiritual que seja fácil.
Se normovisuais erram, é normal; se nós erramos,é porque somos
cegos, é prova da nossa incapacidade; e por medo de errar, nos tiramos o
direito de tentar. Temos vergonha da pena dos outros, porque ela espelha
nossa própria piedade deslocada, porque o erro é inerente à vivência na
Terra. Pessoas erram. Algumas cortando unhas, outras cortando a alma das
pessoas. Assim a vida funciona. Quando o medo do erro gera precaução é
bom, porque ninguém quer ser irresponsável; mas quando o medo do erro
impede o esforço de tentativa, é doentio, é limitante, é até uma negação
da nossa missão primordial na Terra, que é evoluir. E ninguém evolui sem
passar pelo erro, pelo desastre, pela necessidade pungente do recomeço.
Eu daria quase tudo para voltar à vida de antes. Para pegar ônibus,
para não sentir vergonha de pegar minha bengala e bengalar pelas ruas e
me sentir viva com isso. Não acho digno de pena ser puxada, quase
derrubada por ajudas inéptas demais; acho digno de pena ficar amarrada à
própria cegueira, como se ela fosse uma cadeia para nossa alma, não uma
forma da Vida ampliar seus sentidos.
Hoje não culpo mais a ninguém porminha inadaptação a Guaxupé. A culpa
foi toda minha, que não coloquei meus limites, que não me preservei de
tudo que ouvi, que não preservei meus tesouros de emanssipação. Eu me
deixei aprisionar, na esperança de ser aceita e acolhida. Entreguei as chaves de minha independência e
autonomia físicas. Mas não posso deixar de ter raiva, acho que mais
contra mim que contra as pessoas. Em algum momento, eu pude escolher e
não escolhi; eu pude me rebelar e cedi; eu pude continuar bengalando
e guardei a bengala. Às vezes eu penso que tudo seria melhor se algumas
das pessoas que me trataram com preconceito me pedissem desculpas, ao
verem que os fatos negavam o pré julgamento. Mas talvez admitir um
erro seja demais para a auto-estima fragilíssima. Talvez a única
garantia que elas tenham para preservar o edifício do seu
auto-respeito
seja o esforço de se convencer de que estão sempre certas.
Às vezes eu sinto por você. Não digo que tenho pena, porque uma
mulher tão bonita e inteligente e forte é indigna desse sentimento. Mas
eu sinto por vocÊ raramente ter explorado seus reais limites; ter
aceitado que o que os outros diziam que você não podia, ou não devia, ou
não era seguro era um conceito absoluto. Não é. Você pode muito mais do
que você pensa, e disso eu tenho certeza. É agoniante às vezes, sabe? É
como ver uma flor com o crescimento restringido a um vaso exíguo quando
tem um jardim imenso a sua disposição, palmos e palmos de terra aonde
deitar suas raizes, sugar água do solo, forjar nutrientes para as
folhas. Eu acho quase criminoso.
Não consigo ver a cegueira como uma doença. Não é, e confesso que
ver você usando o termo "olho dodói" para explicar sua deficiência aos
seus filhos me deixa louca. Eu sei que
deficiências têm um número no cid (código internacional de doenças), mas
elas não são mais consideradas "doenças" desde a década de 70. NOssos
olhos não são doentes. Nem o seu, nem o meu. Eles não enxergam
como deveriam, simplesmente isso. Mas isso implica mais "caminhos
alternativos" que impeditivo para se caminhar. O fator realmente
limitador reside no espírito, na mente que se permite cristalizar na
piedade ou na falta de coragem para buscar os caminhos que funcionem.
Nós estamos "condenadas" a usar as mãos para fazer as coisas, não
necessariamente a não fazê-las. O termo doença infunde pena, e a pena
infunde um determinismo ferrenho, acompanhado de um sentimento de
superioridade de quem sente com a inferiorização do alvo.
Eu espero muito que o nascimento da sua filha seja um divisor de
águas para você. Que, ao fim dessa gestação, o amor pelo seu bebê te
leve aonde você nunca foi... Sozinha.
Que os seus dedos descubram a segurança do toque, a força do cheiro,
o paladar do encontro com o serzinho que saiu de seu ventre sem
intermediários. Que você se permita descobrir os seus caminhos, o seu
modo de fazer, para ser realmente quem você é, e não o que esperavam que
você fosse.

Com respeito e meus melhores votos de bom parto e muito leite,

Jo

Para minha amiga que pariu um bebê deficiente

O quarto perfeito esperava um bebê perfeito, que em breve teria
covinhas e gritinhos. Como supor que aquele bercinho pudesse abrigar um
bebê totalmente disforme? Não combinava. Parecia que Deus errou.
Ele é frágil demais para mamar. Frágil demais para respirar sozinho.
E será frágil demais para brincar com as outras crianças. Dificilmente
terá condições de acompanhá-las, no ritmo normal, e você me pergunta por
que Deus permitiu que isso acontecesse contigo, com a sua família, com o
seu filho.
Eu soube, porém, que você não queria resposta. Só queria chorar sem ser
julgada. Só queria uma mão na sua, enquanto seu bebê lutava por uma vida
que, aos seus olhos, não valia a pena.
Então ele saiu do hospital. Precisaram de uma enfermeira para o monitorar,
porque a situação ainda era crítica. O ganho de peso era apenas o
estritamente necessário, jamais o ideal, e a minha amiga se devotou.
Passou, como dizem, do "luto à luta", e ao ver a tenacidade com que seu
bebê lutava para continuar, não teve escolha além de assumir que,
independendo do que ela pensasse e sentisse, aquela vida valia a pena,
para ele.
Nos meses que passaram, você se descobriu. Lutou, reununciou,
esperneou. Mudou de médico uma infinidade de vezes, levou para outros
estados, consultou especialistas e foi com seu bebê ao shopping.
Ah, mas para quê? As pessoas encaravam e quase não paravam mais.
Murmúrios de pena eram distribuídos sem nenhuma complacência com seus
ouvidos, e você, novamente, questionou tudo em que acreditara até então.
Seu pequeno não deverá mais sair de casa, para ser protegido do
escárnio de uma "sociedade perfeita"; seu filho não deverá mais ser
exposto ao reproche e ao preconceito, à piedade degradante e ao
desrespeito dos demais. Por que submetê-lo a isso, tendo ele uma m ãe
amorosa e um pai dedicadíssimo, um quarto cuja perfeição não se
constrangeu ao receber um bebê que jamais andará nem pensará como
estamos acostumados a ver?
Entretanto eu te suplico que não faça isso. Que permita ao seu filho
ensinar às pessoas que eixstem outras formas de viver; que permita que
nossa "sociedade perfeita" seja chocada e provocada pelas pernas
deformadas do seu filho, por aqueles absurdos olhos lúcidos em uma cab
eça grande demais.
E não é para que os outros olhem e pensem quão perfeitos eles são,
quão felizes eles são, não! Mas para que aprendam que a vida e o amor
têm mil formas de vir ao mundo.
Nas décadas passadas, milhares de mães pensaram como você e
protegeram seus filhos. Em geral, tornavam-se pequenas flores de estufa,
segredinhos escuros, como manchas na família... Sercados de amor e bens,
mas também de vazios e falta de horizontes.
Com o tempo, essas mesmas mães começaram a espernear. Exigir
tratamento justo. Esperar que seus filhos pudessem estudar e ganhar o
pão dignamente - por que não?
Hoje, deficientes do mundo inteiro não são mais preservados. São
expostos - às vezes até expostos demais, mas esse é outro caso - e, na
trilha desse movimento, rios de amor e de mudanças afluem aos corações
ressequidos de outras famílias; profissionais descobrem que seu trabalho
ideal é lidar com os visivelmente imperfeitos, e com eles trilham seu
caminho de sabedoria.
Então, por favor, tire seu filhinho de casa, que atrás do seu gesto,
toda a dor e renúncia terão ainda mais significado.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Fazer as unhas

Não sei bem porquê, decidi começar a fazer minhas unhas em casa. Nunca tinha ligado para isso, menos ainda querido fazer sozinha, mas comprei os itens todos e fui em frente. Infelizmente eu menti que tinha feito um curso, que sabia o que estava fazendo. Mentira. O fato é que estava com medo de ser contaminada pelos receios das outraas pessoas e quis resguardar a empreitada. Oxalá o sucesso da experiência me anime a tentar o inédito sem esse tipo de historinha totalmente desnecessária. O fato é que foi instintivo. Eu simplesnebte sabia o que fazer, afinal, não é difícil.

Saudo geral: 3 semanas e um bife caprichado. O ruim é que comprei 5 alicates até me adaptar a um, mas nada é perfeito.
A propósito, se alguma eventual leitora deste blog quiser se aventurar, possuo quatro alicates para doação por cecogramaL uma pinsa que nunca foi usaada, um esmalte vermelho goiaba que eu comprei pensando que era vermelho original e um potinho de lencinhos removedores de esmaltes que eu comprei, para depois ver que a bendita acetona me dava mais noção do resultado.. Quem quiser aprender a colocar unhas postiças sozinho e sem colar até os pensamentos, também ajudo.

E você, luta pelo que?

Houve um tempo em que pensava que lutava contra uma sociedade
preconceituosa e reducionista, de valores distorcidos e mutantes de
acordo com as conveniências pessoais.
Eu lutava contra a falta de consciência dos demais, contra a falta de
coragem dos demais, contra os conceitos atávicos dos demais, contra
as limitações de coragem e de entendimento dos demais.
Com o tempo, eu vi que em cada "adversário" imaginado havia um
espelho, e esses espelhos compunham um jogo de luzes que me refletia ao
infinito, de modo que eu me vi sozinha, em uma arena deserta, lutando
contra mim mesma, enquanto os supostos adversários mal se percatavam dos
golpes e das caretas que eu fazia para meu próprio reflexo no espelho.
O que te afeta só te afeta porque gera alguma sintonia. Quando eu me
irritava porque o outro dizia que eu não era capaz de realizar tal
tarefa, era porque ele ousava confessar o meu próprio medo perante a
incerteza do sucesso. E o preconceito alheio contra o qual eu tão
ativamente vociferava, era radicado na minha própria falta de fé. A
falta de visão do outro que me irritava, vinha da minha miopia em
encontrar um modo de fazê-lo ver como eu via, de convidá-lo a ver o
prisma com a minha lente.
Agora, entretanto, não luto "contra" mim mesma. Luto a meu próprio
favor. Não existem adversários. Eu sou minha principal aliada. A maior
vitória que posso conseguir nessa vida, não é a renovação dos paradigmas
do mundo, mas a revisão de meus próprios espelhos, de meus próprios
valores, porque cada idéia e cada ideal tem que ser impresso na alma, a
fogo de testemunhos. Não adianta pensar; tem que sentir. Não adianta
sentir; tem que realizar. Não adianta realizar; tem que expandir.
Nós não somos responsáveis pela forma como nos vêem, porque cada
qual tem sua cegueira particular, mas somos responsáveis pelo modo como
nos vemos.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

3 dias para ver

A proposta nasceu de um texto famoso de hellen keller, mas uma amiga vidente veio com essa, hoje, provavelmente após ler o texto original. Queria saber o que eu faria se tivesse 3 dias para ver. Bem, por que não brincar com a idéia?
Primeiro, eu quereria ver meus filhos.. Demoradamente. Adoraria olhá-los, memorizar cada traço do seu rosto na mente e na alma. Também veria fotos deles, muitas delas!... Então eu quereria ler. Ler de verdade, com um livro nas mãos. Queria saber como é a sensação de ver as palavras entrar em mim através dos olhos, e não dos ouvidos e das mãos. Depois eu quereria ver músicos tocando, o frenesi da arte, a harmonia dos dedos, e quereria ver uma partitura, como as letras podem virar sons tão específicox.
Quereria ver meus amigos, fotos do meu pai, o reflexo de uma gota dágua, a chuva caindo, o sol nascendo, as fases da lua.
iria amamentar e olhar nos olhos da minha filha, e faria para meu filho todos os desenhos que ele quisesse. Desejaria que meu rápido, porém efetivo ganho de visão servisse para ajudar alguém. Quereria ver filmes, tratro. Pisar na terra e olhar para o céu, ver o mar e uma cachueira. Beijaria na boca e olharia nos olhos, e talvez até fizesse amor com os olhos abertos

E depois, quando acabassem os 3 dias, voltaria a minha condição ordinária, feliz por constatar que, a maior parte das coisas que o olhar apreende, a alma sente, mesmo que não possa ver, e isso não deixa de ser um pequeno milagre.

E você? O que faria se tivesse 3 dias para ver?

domingo, 11 de julho de 2010

Batata frita

O desconhecido dá medo. Por algum motivo, a falta de visão pode tornar o desconhecido ainda mais apavorante.
A idéia veio na sexta. Queria comer batata frita no fim de semana. Havia dois pontos delicados: eu nunca fizera batata frita e morria de medo de tentar. Havia, porém, outros pontos, bastante persuasivos: eu euria cozinhar para meus filhos. Pelo menos essa passou a ser uma meta desde que uma empregada nos deixou na mão e eu tive que pedir almoço
Para meu filho na vizinhança. O último motivo abrabge a péssima qualidade das marmitas.
Tirei as minhas dúvidas, quanto tempo até a gordura esquentar e quanto tempo com a batata lá dentro.
Na hora de colocar, veio frio na mão: medo de me queimar. Por isso abandonei a parte superior e toda furadinha da panela fritadeira e fui colocando com a mão mesmo.
Depois o desafio foi pescar o resultado com a escumadeira. Ficou gostosa, mas da próxima vez quero usar a fritadeira e sujar menos o fogão. A propósito, não me queimei.

Gostaria de ter aprendido isso antes. Gostaria de ter recebido algum incentivo além da reafirmação do que poderia ter dado errado.
Contudo, a duras penas estou aprendendo a não me lamentar, apenas fazer a minha parte. Hoje vou assar minipizzas para a noite. Muito menos emocionante, mas alguém está servido?
Algum cego leitor tem histórias pessoais ou dicas sobre lidar com frituras?