Um detalhe é motivante de tudo isso: eu sou cega. Esse é um aspecto
concreto e muito improvável de ser modificado, um dia. Podem encontrar
termos grandiloquentes, imponentes, maquiados, politicamente corretos ou
incorretos, mas nada muda o fato central, o que não é obrigatoriamente
ruim.
Mas note que a questão começa e termina aí. Eu sou cega. Fim. Não há
nada de errado com minhas pernas, com meus ouvidos, e menos ainda com o
meu cérebro. Eu penso muito bem. Podem não ser sempre coisas boas e
certas, mas definitivamente eu consigo raciocinar, concatenar as idéias,
alinhar paradigmas.
Não sou santa. Posso mentir, se quiser. Posso caluniar. Posso fazer
péssimos julgamentos sem nenhuma base, então, definitivamente, não sou
santa.
Claro, tenho o compromisso de progredir sempre, de aprender com meus
erros, de fazer de mim mesma uma pessoa melhor, mais humana, mais
responsável e mais digna, mas, absolutamente, não estou sequer na metade
desse processo. Então, deixemos os extremos, as fantasias e os
preconceitos e cheguemos aos fatos. Eu sou cega. E humana. Um fato não
exlui o outro. Eles apenas se completam.
Do mesmo modo que existem humanos idiotas, humanos geniais, humanos
cadeirantes, humanos medíocres, humanos sentimentais, humanos
"umbigocÊntricos", existem humanos cegos - que podem, ou não, serem todas
essas coisas apontadas logo ali. Mas o essencial que preciso expressar,
é que a cegueira não traz, nem a incapacidade absoluta, nem a santidade
instantânea, nem a burrice extrema, nem nada disso. É simplesmente uma
característica, uma limitação que pode ou não ter um caráter realmente
limitante. A cegueira é o que o cego faz dela. Nós ainda temos escolha.
Temos harbítrio. Temos a chance de sair de nós mesmos e ir além de
falta de visão; do mesmo modo, podemos nos enterrar em nossos problemas
e lamentar o nosso nascimento, as mazelas sociais e a existência de
Deus, como qualquer pessoa normal.

Bem-vindos ao "Diário de uma cega""

segunda-feira, 12 de julho de 2010

3 dias para ver

A proposta nasceu de um texto famoso de hellen keller, mas uma amiga vidente veio com essa, hoje, provavelmente após ler o texto original. Queria saber o que eu faria se tivesse 3 dias para ver. Bem, por que não brincar com a idéia?
Primeiro, eu quereria ver meus filhos.. Demoradamente. Adoraria olhá-los, memorizar cada traço do seu rosto na mente e na alma. Também veria fotos deles, muitas delas!... Então eu quereria ler. Ler de verdade, com um livro nas mãos. Queria saber como é a sensação de ver as palavras entrar em mim através dos olhos, e não dos ouvidos e das mãos. Depois eu quereria ver músicos tocando, o frenesi da arte, a harmonia dos dedos, e quereria ver uma partitura, como as letras podem virar sons tão específicox.
Quereria ver meus amigos, fotos do meu pai, o reflexo de uma gota dágua, a chuva caindo, o sol nascendo, as fases da lua.
iria amamentar e olhar nos olhos da minha filha, e faria para meu filho todos os desenhos que ele quisesse. Desejaria que meu rápido, porém efetivo ganho de visão servisse para ajudar alguém. Quereria ver filmes, tratro. Pisar na terra e olhar para o céu, ver o mar e uma cachueira. Beijaria na boca e olharia nos olhos, e talvez até fizesse amor com os olhos abertos

E depois, quando acabassem os 3 dias, voltaria a minha condição ordinária, feliz por constatar que, a maior parte das coisas que o olhar apreende, a alma sente, mesmo que não possa ver, e isso não deixa de ser um pequeno milagre.

E você? O que faria se tivesse 3 dias para ver?

Um comentário:

  1. Lindo, jobis! Emocionei. Eu olho pro ceu todos os dias pra ver a cor dele, pra nao esquecer que todo dia é diferente e que todo dia o azul é outro.

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