Um detalhe é motivante de tudo isso: eu sou cega. Esse é um aspecto
concreto e muito improvável de ser modificado, um dia. Podem encontrar
termos grandiloquentes, imponentes, maquiados, politicamente corretos ou
incorretos, mas nada muda o fato central, o que não é obrigatoriamente
ruim.
Mas note que a questão começa e termina aí. Eu sou cega. Fim. Não há
nada de errado com minhas pernas, com meus ouvidos, e menos ainda com o
meu cérebro. Eu penso muito bem. Podem não ser sempre coisas boas e
certas, mas definitivamente eu consigo raciocinar, concatenar as idéias,
alinhar paradigmas.
Não sou santa. Posso mentir, se quiser. Posso caluniar. Posso fazer
péssimos julgamentos sem nenhuma base, então, definitivamente, não sou
santa.
Claro, tenho o compromisso de progredir sempre, de aprender com meus
erros, de fazer de mim mesma uma pessoa melhor, mais humana, mais
responsável e mais digna, mas, absolutamente, não estou sequer na metade
desse processo. Então, deixemos os extremos, as fantasias e os
preconceitos e cheguemos aos fatos. Eu sou cega. E humana. Um fato não
exlui o outro. Eles apenas se completam.
Do mesmo modo que existem humanos idiotas, humanos geniais, humanos
cadeirantes, humanos medíocres, humanos sentimentais, humanos
"umbigocÊntricos", existem humanos cegos - que podem, ou não, serem todas
essas coisas apontadas logo ali. Mas o essencial que preciso expressar,
é que a cegueira não traz, nem a incapacidade absoluta, nem a santidade
instantânea, nem a burrice extrema, nem nada disso. É simplesmente uma
característica, uma limitação que pode ou não ter um caráter realmente
limitante. A cegueira é o que o cego faz dela. Nós ainda temos escolha.
Temos harbítrio. Temos a chance de sair de nós mesmos e ir além de
falta de visão; do mesmo modo, podemos nos enterrar em nossos problemas
e lamentar o nosso nascimento, as mazelas sociais e a existência de
Deus, como qualquer pessoa normal.

Bem-vindos ao "Diário de uma cega""

domingo, 25 de julho de 2010

Reais necessidades

Sugeriram que eu escrevesse um post sobre isso. Eu poderia escrever umas
cem linhas, mas acho que consigo em vinte:

Nós precisamos de pessoas que nos ajudem a explorar o mundo, o nosso
corpo e os nossos limites.
De pessoas que nos ajudem a assumir nosso papel perante a Vida.
De pessoas que nos mostrem quais nossas responsabilidades.
De pessoas que nos ajudem a ver nossas próprias falhas com levesa.
De pessoas que não coloquem nossos feitos em um microscópio e acreditem
que esse é o tamanho real deles.
De pessoas que estejam ao nosso lado, não debaixo de nós.
De pessoas que acreditem em nós, porque o potencial humano é plástico.
De pessoas capazes de mudar de opinião.

Nós, como todos no mundo, precisamos de pessoas com coragem de mergulhar
na vida e de transbordar, e jogar tudo uns sobre os outros, para depois
transbordar e ousar uma e outra e outra vez, infinitamente.

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